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segunda-feira, 9 de maio de 2011

dos vômitos



Amargurada, senta numa ponta de colchão e chora. Tenta se distrair com leituras, com filmes, estudo, qualquer coisa que lhe pareça distração, mas tudo parece triste, mesmo as coisas alegres e bonitas, porque ela é assim. Ela é triste e sempre o foi, sem nunca nem se esforçar para esconder isso de ninguém. Sempre viveu tentando não incomodar ninguém mais do que já incomoda a si mesma com tanto rancor e gastrite. 
Ela pensa na frase não terminada que ouviu:
_ Você precisa é...
E se pergunta se alguém sabe do que ela realmente precisa, se ela mesma sabe do que precisa. 
Cheia de dúvidas e sentimentos cor de cinza, ela senta na ponta do colchão e chora. Tentando descobrir o quanto foi em vão e o quanto valeu a pena. Se compromete a não chorar nunca mais pelas mesmas coisas e chora, com dor no peito, jurando que aquela será a última vez. Pensa nas coisas repetidas que as pessoas vivem lhe dizendo, cheias de elogios e nove-horas, porque ela se sabe facilmente ofensível e ninguém quer ouvir nada negativo a respeito de si mesmo. Nem quando pede. Todos os elogios, inclusive os que ela sabe verdadeiros, parecem névoa e se dissipam conforme o dia se aquece e sua irritação cresce.
Cheia de esperanças, ela senta numa ponta do colchão e chora, tentando esquecer tudo. As coisas ruins para que não a atormentem mais e as boas, para que não a atormentem mais. Repassa diálogos e se repreende por ter dito tão pouco quando deveria ter gritado e esperneado e por ter sido incisiva demais quando as pessoas não mereciam reprimenda alguma. Ela pensa nas coisas que gostaria de ter dito, no que acha que deveria ter feito e pensa, acredita, que agora vai, sim, dar certo e que a maré negra finalmente vai dar lugar a uma coisa mais leve, mais suave. 
Cheia de alívio, ela se senta na ponta do colchão e repassa mentalmente como os dias têm sido bons, a não ser por um mísero detalhe, que consegue estragar todo o resto, fazê-la pegar uns lenços de papel e sentar-se na ponta do colchão, amargurada, e chorar. "Vai passar, vai melhorar", é o que ela escuta e sabe ser verdade, mas sabe também que já demorou demais. Sabe que o caminho está certo, por mais pedra que ela tenha colocado nele. Sabe que... não, ela não sabe. Ela espera. Só sabe de si mesma e isso, nem de longe, lhe parece suficiente. Vê a si mesma como uma escritora atormentada, batendo loucamente em sua máquina de escrever, com um copo a seu lado e muitas páginas de textos emboladas no lixo, porque dizem muito sobre o que ela sente e, francamente, quem quer saber dessas coisas? Todo mundo tem maiores preocupações e seus livros não possuem a menor intenção de serem pedidos de ajuda.
Cheia de sentimentos desconhecidos, ela senta da ponta do colchão e escreve como se não houvesse amanhã, como se seu punho não doesse, como se ninguém batesse à porta, como se o telefone nunca tocasse, como se nenhum homem jamais a quisesse, como se não restasse mais nada além de escrever. 

E ela sabe, ela sabe, que resta. 
Só não conseguiu encontrar ainda.




E chega de fingir que está tudo bem. Não está.

3 comentários:

Letícia disse...

Apesar dos livros dela não serem pedidos de ajuda, há sim quem leia e se preocupe e se disponha a ajudar, viu?

Fica bem, flor. =*

Fabi disse...

Tenho nem como dizer o quanto gosto [preciso] dos seus posts vomitados. Porque eu sou insatisfeita e (um pouco) filhadaputa e me consola ler coisas assim, ainda que eu não queira nada disso pra você.

Rob Gordon disse...

Isso é autobiográfico (ninguém consegue escrever algo assim sem sentir isso). Então, vamos ver a cadeia dos parágrafos?

Cheia de dúvidas e sentimentos cor de cinza. Cheia de esperança. Cheia de alívio. Cheia de sentimentos desconhecidos.

As coisas estão melhorando. De verdade. Espero que você já tenha sentido isso - muitas vezes, escrevemos o que sentimos antes de saber que sentimos. E você fez isso magistralmente.

Espero que esteja sentindo que as coisas estão melhorando. Porque seu texto (ou seja, você) já sabe disso. Mas saber não basta, é preciso sentir. E você vai sentir, aposto.